Pilhas de Estéril e Rejeito: Devemos nos preocupar com elas?

Fotografia de um deslizamento de uma pilha de estéril

Pilhas de estéril e rejeito devem ser inspecionadas e monitoradas da mesma forma que barragens

O estéril de mineração é a fração do material lavrado que não possui interesse econômico, por não possuir minério ou uma concentração relevante do mineral de interesse. Normalmente é armazenado em pilhas.

Após as rupturas das barragens de Fundão, em Mariana, e Córrego do Feijão, em Brumadinho, muitas mineradoras têm optado por sistemas de filtragem para evitar a disposição dos rejeitos em barragens. Como o material passa por uma redução significativa de teores de umidade, a pasta resultante do processo de filtragem também pode ser depositada em pilhas.

Por fim, existem processos de beneficiamento mineral a seco, que geram rejeitos que também podem ser empilhados.

O processo de empilhamento de rejeitos com baixo teor de umidade é comumente chamado de “Dry Stacking”. 

Assim, as pilhas estão aumentando em quantidade e tamanho, e em um ritmo acelerado. 

Tanto as pilhas de estéril quanto as de rejeito podem alcançar dimensões consideráveis a depender do volume produzido e da área disponível para armazenamento. Por mais que estas não apresentem os mesmos riscos de uma barragem, principalmente pelo fato de não armazenarem água, existe um histórico relevante de acidentes com estas estruturas ao redor do mundo. Um deles foi retratado fidedignamente na série “The Crown” da Netflix (Temporada 3, Episódio 3):

  • Pilha de Rejeitos de Carvão – Merthyr Vale Colliery Mine – Aberfan / País de Gales (1966): A pilha foi construída em uma encosta acima do vilarejo galês de Aberfan, perto de Merthyr Tydfil, em cima de uma nascente. Em um momento em que a pilha crescia em uma velocidade acima do recomendável, um período de forte chuva levou a um aumento de saturação da pilha, o que causou sua liquefação. O material deslizou subitamente morro abaixo em forma de lama, matando 116 crianças e 28 adultos após atingir a Escola Infantil Pantglas e uma fileira de casas. Na ocasião do desastre, a pilha em questão, de no 7, tinha 31 metros acima do solo e continha quase 300 mil metros cúbicos de rejeitos.
Fotografia do Vilarejo de Aberfan na Inglaterra onde houve o deslizamento da pilha de rejeito
Foto 1 – Vilarejo de Aberfan atingido pelo deslizamento de rejeitos de carvão
Fonte: Martin Johnes

Apesar de o registro de falhas nesse tipo de estrutura ser escasso, podemos citar outras ocorrências:

  • Pilha de Estéril – Hayden Hill Gold Mine – Califórnia / EUA (1990-2000): Esta pilha pertencente a uma mina de ouro fechada sofreu 5 falhas na década de 90. Uma investigação com dados de satélite feita entre 2001 e 2002 mostrou uma estabilidade da estrutura naquele período. Como não havia dados anteriores não foi possível apurar as causas das rupturas. 
Fotografia da ruptura da Pilha de Estéril da Hayden Hill Gold Mine
Foto 2 – Ruptura da Pilha de Estéril da Hayden Hill Gold Mine
Fonte: The European Space Agency
  • Pilha de Rejeitos de Carvão – South Field Lignite Mine – Grécia (2007): Os rejeitos da mina foram depositados em três fases, formando uma inclinação média de 10% e uma altura total de 110 m da superfície do solo. A falha ocorreu no início da terceira fase do depósito. O alto teor de umidade dos materiais residuais e sua deposição sobre uma nascente, obstruindo seu fluxo, causou o desenvolvimento de poropressões elevadas nos materiais argilosos e marinhos na base do depósito. Como consequência, houve um deslizamento de grande escala, que movimentou cerca de 42,5 milhões de metros cúbicos de material. 
Fotografia da ruptura da Pilha de Rejeitos da Hayden Hill Gold Mine
Foto 3 – Ruptura da Pilha de Rejeitos da Hayden Hill Gold Mine
Fonte: Science Direct
  • Pilha de Estéril Alder Gulch – Zortman Mine – Montana / EUA (2011): Após uma chuva de período de retorno de 500 anos, cerca de ¼ da pilha deslizou por um pequeno vale. Não houve mortos ou feridos, mas um prejuízo de US$ 1 milhão. As causas aparentes foram a saturação da parte inferior da pilha e consequente aumento das poropressões na região, causando perda de resistência, e também um desgaste mecânico por decomposição química do material da pilha relacionado à oxidação de minerais de sulfeto ao longo de várias décadas.
Fotografia da ruptura da Pilha de Estéril Alder Gulch
Foto 4 – Ruptura da Pilha de Estéril Alder Gulch
Fonte: Zortman Mine

Percebe-se, então, que o fato de as pilhas não armazenarem água não as isenta de problemas maiores. Há alguns fatores preocupantes neste tipo de estrutura, dentre os quais podemos destacar:

  • Muitas mineradoras não mantém uma rotina de inspeção e monitoramento de pilhas, até por não haver uma obrigação legal nesse sentido;
  • Trata-se de estruturas vivas, que passam por alterações em sua geometria em escala diária, o que requer um controle topográfico rígido;
  • Em muitos casos o material depositado é friável, ou seja, se desagrega naturalmente ou é facilmente pulverizado, sendo mais sensível a erosões causadas por intempéries; 
  • Também pode haver a presença de materiais suscetíveis à oxidação e à drenagem ácida, o que pode causar a perda de resistência da estrutura e impactos ambientais;
  • Juntando os 2 últimos itens ao clima tropical brasileiro, as estruturas demandam sistemas de drenagem interna e superficial bem projetados, evitando assim o aumento de poropressões e erosões descontroladas;
  • No caso de materiais mais finos submetidos a condições de saturação, a dissipação mais lenta das poropressões pode causar solicitações não drenadas e eventuais rupturas;
  • Temos uma cultura de construção de apenas lançamento e espalhamento, muitas vezes deixando de lado a compactação, que é extremamente importante nesses casos;
  • Por outro lado, em alguns casos a falta de conhecimento sobre essas estruturas gera uma postura conservadora e sistemas superdimensionados, acarretando custos desnecessários;
  • No caso de empilhamento de rejeitos filtrados:
    • A compactação do material em períodos chuvosos é uma tarefa extremamente difícil, o que demanda um bom planejamento da disposição;
    • A depender do comportamento dilatante ou contrátil do material, a estrutura pode ser susceptível à liquefação, principalmente caso ocorram sismos naturais ou induzidos.

Portanto, da mesma forma que devemos implantar uma cultura de segurança de barragens nas empresas mineradoras, devemos também implantar uma cultura de segurança de pilhas. Porém, infelizmente a legislação, a bibliografia e as referências técnicas sobre o tema são bastante escassas no Brasil. Em termos de normas temos apenas a NBR 13.029, que aborda basicamente a elaboração de projetos de pilhas, sendo bastante superficial com relação ao monitoramento, e a NRM 19 da ANM, que é genérica em suas definições.

Por isso, o IBRAM e a ANM devem liderar iniciativas visando estabelecer normativas e resoluções mais específicas e detalhadas sobre o assunto.

Até isso acontecer, como mínimo, é recomendável que se avalie as seguintes práticas:

  • Definição de critérios de Classificação de Risco (CRI) e Dano Potencial Associado (DPA) de pilhas;
  • Implantação de um setor de Segurança de Pilhas estruturado, vinculado a uma Gerência de Geotecnia qualificada e com experiência no assunto;
  • Revisão e auditoria dos projetos existentes, preferencialmente feito por uma empresa de consultoria diferente daquela que elaborou o projeto original, de modo a verificar se a geometria prevista está sendo seguida e se a instrumentação instalada nas pilhas, se existente, é suficiente para garantir um monitoramento adequado;
  • Instalação de novos instrumentos, se assim a revisão indicar;
  • Verificação e, se necessário e onde aplicável, recalibragem dos instrumentos instalados;
  • Implantação de um sistema de Monitoramento Geotécnico de pilhas, preferencialmente através de radares;
  • Elaboração e manutenção em dia de um Manual de Operação de Pilhas, incluindo uma Carta de Riscos;
  • Treinamento da equipe de campo em inspeções de segurança, controle topográfico, instrumentação e monitoramento de pilhas;
  • Realização de inspeções de segurança, avaliações topográficas e avaliação das leituras da instrumentação, preferencialmente em uma frequência mensal;
  • Elaboração de estudos de ruptura de pilhas visando identificar as áreas potencialmente atingidas, seguidos de um Plano de Ações de Emergência;
  • Contratação e implantação de Engenharia de Registros (“EoR”) para as pilhas.

Agindo desta forma, continuaremos criando ambientes seguros àqueles que nos cercam.

Banner de geotecnia que direciona o leitor ao site da Saff Engenharia

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