Não estamos preparados para eventos hidrológicos extremos

Fotografia de um deslizamento de encosta, ocorrido no estado do Paraná. Fotografia do site UOL para exemplificar eventos hidrológicos extremos

De alguns anos para cá, o aquecimento global e as mudanças climáticas estão intensificando os eventos hidrológicos extremos.

No último verão, testemunhamos uma série de tragédias provocadas por precipitações de grande magnitude, que causam deslizamentos de encostas e/ou enchentes.

Tragédias como as ocorridas em janeiro na Bahia, Sergipe, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, e em fevereiro, no Rio de Janeiro, deixaram centenas de vítimas, muitas delas fatais. Outros estados, como o Pará, o Maranhão e o Tocantins, também sofreram com enchentes que atingiram milhares de pessoas, deixando várias pessoas desabrigadas.

Neste período ocorreu uma catástrofe que chocou o Brasil, que foi a ocorrência do fenômeno raro chamado Supercélula na cidade de Petrópolis, que deixou um rastro de destruição e causou 241 mortes.

Fotografia de um deslizamento de encosta na cidade de Petrópolis. Imagem extraída do jornal alemão Deutsche Welle Brasil, para exemplificar um caso de eventos hidrológicos extremos.
Foto 1 – Deslizamento de encosta em Petrópolis
Fonte: DW

Desde o início do mês de dezembro, já começamos a observar problemas semelhantes.

Um grande deslizamento de encosta ocorrido na BR 376, em Guaratuba / PR, arrastou 15 carros e 6 caminhões. Na ocasião, 2 pessoas morreram.

De acordo com levantamento das Defesas Civis, em todo o país, somente neste mês, 178 municípios foram castigados, deixando mais de 17 mil pessoas desalojadas e 2,8 mil desabrigados, além de ao menos 15 mortes confirmadas. E o verão nem sequer começou.

Fotografia do Jornal CNN. Mostra um homem caminhando em uma rua alagada, no estado da Bahia. 
Imagem utilizada para exemplificar os efeitos de eventos hidrológicos extremos.
Foto 2 – Chuvas na Bahia já afetaram 120 mil pessoas neste mês
Fonte: CNN

O CEMADEN (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) estima que 10 milhões de brasileiros vivem em 27 mil áreas de risco localizadas em 959 cidades.

As causas desses problemas são antigas e já conhecidas:

  • Urbanização intensa;
  • Impermeabilização do solo;
  • Ocupação de várzeas de rios;
  • Ocupação e/ou intervenções em encostas.

Há casos extremos, como bairros e até mesmo cidades inteiras localizadas em áreas de risco. Somente na já citada Petrópolis, há 15 mil residências e 47 mil pessoas em áreas do tipo, o que equivale a 15% da população da cidade.

As razões para tantos problemas são diversas:

  • Uma histórica falta de planejamento urbano e habitacional;
  • Falta de Planos Diretores e de políticas de ocupação de áreas;
  • Urbanização desordenada;
  • Especulação imobiliária;
  • Falta de políticas de monitoramento meteorológico, geológico e hidrológico de áreas de risco.

Além disso, o processo de gentrificação, que afeta a dinâmica de bairros e os torna mais caros, expulsa a população de baixa renda destes locais, que muitas vezes não tem escolha a não ser residir nessas mesmas áreas de risco, muitas vezes em condições insalubres e desumanas.

Fica claro que se trata de um problema de caráter social. Afinal, há tempos a comunidade científica e de engenharia sabe o que precisa ser feito para evitar essas tragédias. Podemos citar como exemplos:

  • Elaboração de Planos Diretores para ordenar e disciplinar o uso e a ocupação físico-territorial de cidades;
  • Preservação e recuperação de encostas e de várzeas de rios;
  • Implantação de sistemas de drenagem urbana eficientes;
  • Desobstrução e limpeza dos sistemas de drenagem pluvial existente das cidades;
  • Construção de piscinões e outros sistemas de regularização de vazões;
  • Mapeamento e monitoramento de encostas por satélites;
  • Contenção e estabilização de encostas com riscos de deslizamento;
  • Implantação de planos de emergência, com sistemas de notificação e alerta, como sirenes, e treinamentos para evacuação de áreas de risco;
  • Onde for possível, remoção e relocação de famílias residentes em áreas de elevado risco;
  • Intercâmbio tecnológico com países experientes em prevenção de desastres, como Japão e EUA.

Destaca-se também um projeto de pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF), que está desenvolvendo um sensor de baixo custo para monitoramento da estabilidade de encostas. O equipamento detecta movimentos de massa, informando a aceleração do movimento, o ângulo de inclinação e rotação para determinados eixos. Tais dados ajudam a monitorar a estabilidade da encosta em tempo real, à medida que será possível saber se o módulo sofreu alguma aceleração ou se sofreu alguma mudança de posição. Já o segundo sensor, o higrômetro, mede o teor de umidade do solo, fator importante para o desencadeamento de movimento de massa.

Além disso, como mostra essa reportagem, a legislação brasileira contempla medidas adequadas a respeito:

  • O Código Florestal define como “área de preservação permanente” as faixas marginais aos cursos d’água e as encostas com declividade superior a 45o. Elas preservam os recursos hídricos, protegem o solo e asseguram o bem-estar das populações humanas.
  • A Lei de Parcelamento do Solo Urbano proíbe a urbanização de terrenos alagadiços e sujeitos a inundações.
  • Estabelecida pela Lei Federal 12.608, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil prevê o mapeamento das áreas de risco, a fiscalização de sua ocupação, a intervenção preventiva e a evacuação da população nelas residente, que deverá ser imediatamente acolhida em abrigos provisórios e cadastrada para atendimento habitacional definitivo. Todo município com áreas de risco deve elaborar uma carta geotécnica, que orientará a elaboração do plano diretor e a aprovação de projetos de loteamento.
  • O Estatuto da Cidade exige que os Planos Diretores mapeiem as áreas de risco, planejem as ações preventivas, inclusive com realocação da população, se necessário, e adotem medidas de drenagem aptas a prevenir desastres e mitigar seus impactos.

O problema é que todas essas soluções dependem da atuação do nosso inoperante Poder Público. Falta vontade política para fazer o que precisa ser feito. Há farto noticiário sobre estados que não utilizam toda verba destinada ao combate às enchentes. Mais recentemente, o Governo Federal cortou em mais de 90% o orçamento previsto para a prevenção de desastres.

Citando um exemplo, em 2011, uma chuva intensa na Região Serrana do RJ deixou mais de 900 mortos. Naquela ocasião, uma CPI da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), fez 42 recomendações para evitar novas catástrofes naturais na região. De lá para cá, pouca coisa foi implementada.

O Professor Marcelo Motta, da PUC-RJ, tem um termo interessante para definir essa negligência:

“É o que eu chamo de amnésia do céu azul. O céu fica azul, esquece de se fazer a política que é necessária. E com isso vai sucateamento de defesa civil, sucateamento das políticas, né, de intervenção das obras e a gente tem o quadro que tem”.

Professor Marcelo Motta, da PUC-RJ.

Apesar de um cenário tão desfavorável, ainda podemos encontrar algumas organizações que buscam enfrentar essas adversidades:

  • Defesa Civil: Sua atuação tem o objetivo de reduzir os riscos de desastres. Também compreende ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação, e se dá de forma multissetorial e nos três níveis de governo federal, estadual e municipal, com ampla participação da comunidade.
  • CEMADEN (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais): Vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o órgão tem como missão realizar o monitoramento das ameaças naturais em áreas de risco em municípios brasileiros suscetíveis à ocorrência de desastres naturais, além de realizar pesquisas e inovações tecnológicas que possam contribuir para a melhoria de seu sistema de alerta antecipado, com o objetivo final de reduzir o número de vítimas fatais e prejuízos materiais em todo o País.
  • Serviço Geológico do Brasil (CPRM): disponibiliza um mapa online que permite visualizar regiões em áreas de risco e com isso auxiliar na prevenção de desastres. Desenvolvido por um grupo de pesquisadores da empresa pública, o projeto classifica as áreas com baixa, média e alta suscetibilidade a catástrofes.

Porém, todas essas iniciativas, apesar de terem grande valor, ainda são insuficientes para lidarmos com uma calamidade tão grande. É preciso ir muito além.

Já é hora de pararmos de investir em ações reativas e começarmos a investir ainda mais em ações preventivas. Não adianta apenas gastar milhões em operações de busca e em recuperações de áreas atingidas somente depois que a tragédia ocorre e pessoas morrem.

Por tudo isso, torna-se muito difícil enxergar uma solução rápida e viável para tantas mazelas. Infelizmente, se o Poder Público não se envolver com compromisso e responsabilidade na prevenção de tais catástrofes, elas tendem a continuar ocorrendo.

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