Caracterização geotécnica e reológica dos rejeitos de mineração

Fotografia de um rompimento de barragem de rejeitos

É de fundamental importância o entendimento de tais características dos rejeitos para que se possa simular de forma fidedigna o seu escoamento, espalhamento e alcance em um estudo de ruptura hipotética de barragem 

Conforme já postado aqui, os rejeitos de mineração são compostos pelos materiais não aproveitados após o processo de beneficiamento mineral, por não possuírem valor econômico. Como não podem ser descartados de qualquer jeito no meio ambiente, normalmente são depositados em barragens de rejeitos, que, apesar do advento dos métodos de disposição a seco, continuam e continuarão sendo uma alternativa bastante utilizada por muito tempo.

Sabe-se também que as barragens de rejeitos devem seguir uma série de requisitos legais estabelecidos pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Destaca-se aqui a Resolução 32 de 11 de maio de 2020, que, entre outras, prescreve as seguintes obrigações:

  • O empreendedor é obrigado a elaborar mapa de inundação para auxílio na classificação referente ao Dano Potencial Associado (DPA) e para suporte às demais ações descritas no Plano de Ações de Emergência de Barragem de Mineração (PAEBM) de todas as suas barragens de mineração, individualmente.
  • O mapa de inundação deve ser detalhado e deve exibir em gráficos e mapas georreferenciados as áreas a serem inundadas, explicitando a Zona de Autossalvamento (ZAS) e a Zona de Segurança Secundária (ZSS), os tempos de viagem para os picos da frente de onda e inundações em locais críticos abrangendo os corpos hídricos e possíveis impactos ambientais.
  • O deslocamento da frente de onda deve ser feito considerando, minimamente, modelos 2D, contemplando o acréscimo de materiais e sedimentos que a onda carreará em seu deslocamento.

Os mapas inundação são gerados a partir de estudos de ruptura hipotética de barragens, comumente chamados de “dam break”, e servem para definir as áreas potencialmente atingidas e assim definir a abrangência do PAEBM.

Porém, a simulação do hidrograma de ruptura e a determinação dessas áreas depende fundamentalmente das características de escoamento dos materiais depositados nas barragens, que podem ser classificados em 2 tipos:

  • Fluidos Newtonianos: é um fluido cuja viscosidade, ou atrito interno, é constante para diferentes taxas de cisalhamento e não variam com o tempo. A constante de proporcionalidade é a viscosidade. Nos fluidos newtonianos a tensão é diretamente proporcional à taxa de deformação. No caso das barragens de rejeitos, basicamente é a água.
  • Fluidos Não Newtonianos: é um fluido cujas propriedades são diferentes dos fluidos newtonianos, mais precisamente quando a tensão de cisalhamento não é diretamente proporcional à taxa de deformação. Como consequência, fluidos não newtonianos podem não ter uma viscosidade bem definida. No caso das barragens de rejeitos, basicamente são os próprios rejeitos.

A viscosidade é parâmetro que indica a facilidade de um fluido em escoar quando submetido a uma tensão de cisalhamento externa. Esse parâmetro é a principal característica reológica de um fluido.

No caso da água, a viscosidade é conhecida e constante. Portanto, o modelo matemático de escoamento e propagação da onda de cheia é mais simples e dado diretamente por equações de hidrodinâmica, como a de Saint-Venant.

Porém, no caso dos rejeitos, a viscosidade não necessariamente é conhecida e muito menos constante. Por isso é necessário que se caracterize os rejeitos visando obter os parâmetros de viscosidade e cisalhamento que devem ser utilizados nas simulações de escoamento hiperconcentrado, conforme será visto a seguir.

Caracterização Geotécnica dos Rejeitos

A caracterização geotécnica deve ser feita com o objetivo de se obter um melhor conhecimento sobre as propriedades do material, que podem interferir nas suas propriedades reológicas. Os principais parâmetros são:

  • Densidade Real dos Grãos: corresponde ao real volume que determinado sólido ocupa, não levando em conta sua porosidade.
  • Granulometria: estudo da distribuição das dimensões dos grãos de um solo.
  • Limite de Liquidez (LL): teor em água acima do qual o solo adquire o comportamento de um líquido.
  • Limite de Plasticidade (LP): menor teor de umidade com o qual se consegue moldar um cilindro com 3 mm de diâmetro, rolando-se o solo com a palma da mão.
  • Concentração Volumétrica (Cv): razão entre o volume de sólidos (Vs) e volume total (Vt) de uma amostra de rejeitos.

Todos estes parâmetros podem ser obtidos em laboratórios de ensaios geotécnicos, seguindo procedimentos descritos em normas técnicas.

Caracterização Reológica dos Rejeitos

A reologia é o ramo da ciência que estuda as deformações e escoamentos da matéria. Engloba a viscosidade, plasticidade e a elasticidade, ou seja, um estudo das mudanças na forma e no fluxo de um material, englobando todas estas variantes.

Podemos então concluir que é a ciência responsável pelos estudos do fluxo e deformações decorrentes, envolvendo a fricção do fluido. Esta fricção ocorre internamente no material, onde uma camada de fluido possui uma certa resistência ao se deslocar sobre outra. Tudo isto envolve uma complexidade de fatores.

A obtenção dos parâmetros reológicos de um material é feita com a ajuda de equipamentos, como viscosímetros e reômetros, sendo estes últimos os mais utilizados.

Figura 1 – Modelo de Reômetro

Este equipamento mede o torque necessário para a rotação do cilindro interno a uma determinada velocidade rotacional, para que haja uma correlação entre o torque e a tensão de cisalhamento e entre velocidade angular e a taxa de cisalhamento.

Os resultados esperados são:

  • Tensão de cisalhamento: também conhecida como tensão tangencial, ou ainda tensão de corte ou tensão cortante, é um tipo de tensão gerado por forças aplicadas em sentidos iguais ou opostos, em direções semelhantes, mas com intensidades diferentes no material analisado. Um exemplo disso é a aplicação de forças paralelas, mas em sentidos opostos, ou a típica tensão que gera o corte em tesouras. 
  • Viscosidade: propriedade física que caracteriza a resistência de um fluido ao escoamento, isto é, ao transporte microscópico de quantidade de movimento por difusão molecular. Ou seja, quanto maior a viscosidade, menor será a velocidade com que o fluido se movimenta.

Recomenda-se que estes ensaios sejam feitos para diferentes valores de Cv, para que se possa fazer correlações com condições “in situ” dos rejeitos. 

Conclusões

Conforme já postado aqui, um estudo de ruptura hipotética possui uma quantidade considerável de incertezas e imprecisões. E entre elas está a caracterização reológica dos rejeitos.

Além disso, pesquisa feita em uma dissertação de mestrado mostra que, em uma amostragem de 86 estudos de ruptura hipotética, cerca de 78% não mencionam e nem sequer abordam os aspectos reológicos, 10% tratam os aspectos de reológicos de forma teórica, ou seja, por meio da utilização de referências de valores da literatura e apenas 12% consideram os parâmetros reológicos obtidos por meio de testes geotécnicos com amostras dos rejeitos da barragem em questão.

Portanto, para que os estudos de ruptura hipotética forneçam resultados mais fidedignos de alcance e espalhamento dos rejeitos, o que auxiliaria sobremaneira na elaboração de melhores PAEBM’s, é de fundamental importância que as empresas mineradoras passem a investir na caracterização geotécnica e reológica de seus rejeitos e que estes parâmetros sejam utilizados nas simulações de escoamento hiperconcentrado. 

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